A sua pesquisa
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A obra teórica e prática de Helena Antipoff, psicóloga e educadora russa, radicada no Brasil, tem sido objeto de estudos de muitos pesquisadores que se interessam pela história da psicologia e da educação. Neste trabalho foi analisada a participação de Helena Antipoff na construção de um sistema de ensino paralelo no Brasil: a educação especial. Nesta análise concentram-se os esforços para compreender a quem era destinada essa educação especial, quem era aquele indivíduo que Antipoff denominava excepcional. A metodologia empregada foi a da história das ciências, buscando entender, sem incorrer no erro do presentismo, a construção do conceito de excepcional, que veio a substituir os termos retardado e anormal, considerados por Antipoff como pejorativos. O excepcional seria aquela pessoa que apresentasse diferenças físicas, sociais ou de desenvolvimento cognitivo, com resultados escolares acima ou abaixo da média de seu grupo, incluindo-se aí os indivíduos infra e os super dotados intelectualmente. Helena Antipoff vai apresentar suas considerações sobre a excepcionalidade mesclando aspectos de sua formação na Suíça, França e Rússia. Sua contribuição constitui uma síntese entre o funcionalismo europeu de Edouard Claparède, que forneceu algumas das bases do movimento da Escola Nova, com a perspectiva sociocultural em psicologia e educação, ao desenvolver ações de diagnóstico e atendimento escolar ao excepcional próximos da proposta de Lev S. Vygotski em sua obra sobre defectologia. Antipoff apontou que a excepcionalidade era fruto mais da condição sociocultural que uma herança genética e apostou na criação e aplicação de métodos psicopedagógicos mais adequados como forma de educar os excepcionais. Entre suas contribuições encontramos o conceito de inteligência civilizada, sua maior contribuição ao estudo da inteligência humana, e uma interpretação sócio-histórica da mesma, pois ela não considerava que os resultados dos testes mediam a inteligência inata, mas apenas o grau de contato do indivíduo com as ferramentas culturais e simbólicas de seu meio. A outra contribuição, além dos conceitos de excepcional e de inteligência civilizada, foi à crítica a homogeneização das classes escolares através da aplicação dos testes de inteligência. Entre os anos de 1930 e 1935 Antipoff executou ações de homogeneização das classes escolares de 1° ano em Belo Horizonte MG, mas, percebendo a limitação dos resultados apresentados pelos testes e a pouca eficácia pedagógica dessa ação, passa a ser crítica desse processo quando empregado isoladamente. O diagnóstico de excepcionalidade deveria ser realizado levando em conta a experimentação natural, método de observação sistemática desenvolvido pelo psicólogo russo A. Lazursky, os testes de inteligência e avaliação do caráter e da personalidade da criança. Helena Antipoff apresentou como alternativa para a educação das crianças excepcionais a ortopedia mental, que era uma metodologia baseada nas propostas de Alice Descoeudres, Maria Montessori, Édouard Claparède e Alfred Binet. De Binet Antipoff tomou emprestado o termo ortopedia mental, utilizado por ele para descrever um conjunto de técnicas de estimulação das funções mentais como memória, atenção, percepção, entre outros. Antipoff acrescentou aos princípios de Binet as idéias de Descoeudres sobre educação ativa e o material dourado utilizado por Montessori nas case dei bambini. Pode-se observar que muitas das ações empreendidas por Helena Antipoff foram pioneiras na educação dos excepcionais no Brasil, inclusive criando instituições, até os anos de 1930 inexistentes para a educação das mesmas, como a Sociedade Pestalozzi e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE. Este trabalho possibilitou descobrir grande atualidade no pensamento antipoffiano. Apresenta-se ao final como o conceito de excepcional e as formas de diagnóstico e de educação destes, presentes na obra antipoffiana, se aproximam aos das atuais propostas de educação inclusiva.
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Mediante narrativas de casos de aparição de fantasmas em um complexo de águas termais localizado no Barreiro de Araxá, em Minas Gerais, que mudou sua imagem de lugar de cura e saúde para ambiente de lazer e beleza, este trabalho buscou seguir pistas sobre: a ascensão, queda e renascimento do termalismo no Brasil; o problema da contaminação das águas minerais do Barreiro; as incongruências nas ações das Políticas Públicas. Tais aspectos produziram efeitos múltiplos nos trabalhadores das Termas e na população local, tais como: fantasmas, medos, silêncios, disputas e adoecimentos. A pesquisa toma como inspiração metodológica os trabalhos de Alessandro Portelli com a História Oral, para obter e acompanhar as narrativas; a genealogia de Michel Foucault, para apresentar as mudanças no conceito de saúde e de terapêutica no tempo; a Teoria do ator-rede de Bruno Latour, para seguir os actantes, humanos e não-humanos. Chama atenção para o cuidado de si como forma ética de estar no mundo, tendente a tornar a vida potente, criativa, abrindo uma possibilidade de alguém se tornar médico de si mesmo. Entende, nesse sentido, que podem ser viáveis, desde que em ruptura com meras práticas de renovado controle da vida das populações, as novas terapêuticas implantadas no SUS ? Terapias Alternativas e Complementares, dentre elas, em particular, o Termalismo Social.
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Tradicionalmente, o senso comum considera que creches e pré-escolas têm, como função principal, abrigar crianças enquanto seus pais trabalham. No entanto, a maneira com que as crianças são tratadas em tais instituições tem recebido maior atenção recentemente, uma vez que há reconhecimento cada vez maior de que creches e pré-escolas influenciam de maneira crítica o desenvolvimento das crianças pequenas. Nesse sentido, creches e pré-escolas, isto é a Educação Infantil, constitui parte integrante do Ensino Básico de acordo com a legislação brasileira, que obriga o poder público a oferecer vagas a todas as famílias interessadas. No contexto da valorização crescente da Educação Infantil, é importante que se conheça sua história, de modo a compreendermos melhor por quê a Educação Infantil ainda recebe menor preocupação do que as demais etapas de ensino por parte do poder público e da sociedade. A presente pesquisa foi dedicada a essa história, com foco na cidade de Ribeirão Preto - SP. Para tanto, utilizamos a abordagem metodológica da história oral, reconhecida como história viva no tempo presente, e centralizada em entrevistas com áudio gravado e transcrito na íntegra. Os alvos das entrevistas foram professores e funcionários veteranos e/ou aposentados de creches e Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs), antigamente denominadas Parques Infantis (PIs). O período das décadas de 1950-60 foi nosso principal escopo, o que determinou a escolha das sete instituições mais antigas da cidade. Ao abarcarmos tal período, procuramos obter informações a respeito da transformação de PIs em EMEIs, que implicou em importantes mudanças na rotina escolar e na estrutura física das escolas. Dada certa dificuldade de encontrar entrevistados dispostos a contribuir para a pesquisa, a investigação foi complementada pela entrevista a pessoas de outras instituições, como associações de professores aposentados. Além disso, sempre que possível foram copiados documentos e fotografias coletadas nas próprias escolas. De modo geral, houve dificuldade para encontrar documentos nos arquivos das instituições, especialmente os correspondentes às décadas de 1950-60. Além disso, constatou-se que as escolas não têm estrutura adequada, tampouco sistematizada, para arquivamento de documentos. Aliás, fomos informados de que arquivos antigos são recolhidos pela Secretaria Municipal de Educação a cada cinco anos para incineração. É alarmante a falta de cuidado na preservação de documentos históricos, que pode prejudicar esforços pela reconstrução de nosso passado similares ao presente trabalho. Nesse contexto, os resultados de nossas entrevistas destacam o quanto a história oral pode contribuir na reconstrução da história mal documentada, uma vez que tal metodologia dá voz a pessoas que geralmente não são ouvidas na construção da história oficial. O conteúdo das entrevistas permitiu uma comparação da época em que as EMEIs ainda eram PIs com o momento atual. Foram discutidos temas como alimentação, rotinas escolares ao longo do tempo, as consequências da mudança de atendimento de tempo integral para meio período, as adaptações de espaços físicos, dentre outros. Os relatos dos funcionários e professoras participantes permitiram a elaboração de um retrato da educação oferecida nas EMEIs de Ribeirão Preto, que apresentamos no presente estudo.
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A dissertação procurou debruçar-se sobre as condições de vida dos jovens, no contexto das relações de sexualidade, de gênero e de exclusão, face às aceleradas transformações sociais, educacionais, econômicas e políticas em Cabo Verde. A abordagem busca, a partir das informações disponíveis em estudos, das histórias ficcionadas em literatura, em memórias e experiências coletivizáveis, assim como nas efetuações e afetações inscritas na nossa trajetória individual/coletiva, dar visibilidade aos diferentes operadores categóricos que servem à preparação de um "futuro melhor para todos", procurando elucidar os regimes de poder que definem as formas a partir das quais vários problemas são reafirmados. São problemas cujas reconfigurações, hoje, são transcritas numa lista de comportamentos inadequados - muitos dos quais tidos por gravosos - que se transformam em formas comuns de se referir aos jovens. Pretendeu-se assim, na linha de pensadores como Michel Foucault, Felix Guattari e Gilles Deleuze, criar condições para desvencilhar-se das amarras que impedem que se comece a pensar sobre as condições que possibilitam aos jovens serem efetivamente protagonistas de si, protagonistas dos processos que conduzem à procura de soluções para os desafiantes problemas que pesam sobre eles.
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O esporte, compreendido a partir do paradigma médico-esportivo, deixa de ser analisado como simples exercício para tornar-se o principal sustentáculo de um estilo de vida, um estado de espírito que associa vitalidade a desafio, promovendo um tipo de sujeito com formação autônoma e responsabilidade individual, em plena sintonia com o ideário neoliberal. Esses usos do esporte constituem uma obra complexa, que exige vários dispositivos. A tarefa, então, passa a ser investigar os pontos de sustentação dessa tecnologia em seus desdobramentos cotidianos, a partir da observação e escuta da rotina dos praticantes. O esporte seria, nessa perspectiva, um lugar privilegiado para a compreensão da sociedade, revelando-nos a intimidade de suas relações de saber/poder, bem como o plano da produção de tais relações. Esse levantamento, cumpre frisar, não implicaria propor novos modelos, pois julgamos que pensar em modelos ou programas predeterminados redunda, necessariamente, em recair em efeitos reprodutores e reativos. Analisar tecnologias é, ao contrário, diagnosticar limites, supondo-os contingências históricas passíveis de desconstrução e de eventual reinvenção pelos sujeitos envolvidos nos processos em pauta.
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Embora a história da Psicologia atualmente seja um fértil campo de produção, ainda são poucos os trabalhos com registros de personagens que viveram esta história e que podem, a partir de seus testemunhos, contribuir para a escrita da mesma. Neste sentido, esta investigação, conduzida com base nos pressupostos da Nova História, teve como objetivo contribuir para a reconstrução da história da constituição do campo de estudo e atuação em Psicologia Educacional e Escolar no Brasil, por meio de depoimentos orais e outras fontes historiográficas. Investigou-se como este campo de conhecimento e prática foi se construindo em nosso solo, especialmente a partir dos anos 1930. Como objetivos específicos, procurou-se identificar as transformações do papel do psicólogo no campo educativo e compreender como ocorreu a inserção desse profissional nos contextos educacionais. Para tanto, a pesquisa construiu um corpus documental composto por fontes historiográficas sobre o tema e depoimentos orais. Foram depoentes cinco personagens pioneiros ou protagonistas da área de Psicologia Educacional e Escolar no Brasil. Definiu-se como pioneiros os primeiros a contribuir para um determinado campo de atuação e como protagonistas, aqueles que colaboraram como personagens ativos num determinado momento histórico da área. Os depoentes também foram escolhidos por terem: a) realizado publicações expressivas na área; b) atuado na área; c) sido docentes e/ou c) participado de órgãos/instituições da área. Os depoentes foram: Samuel Pfromm Netto, Geraldina Porto Witter, Arrigo Leonardo Angelini, Raquel Souza Lobo Guzzo e Maria Helena Souza Patto. O método investigativo utilizou-se da perspectiva da historiografia pluralista e história oral. A análise do corpus documental foi constituída por meio de análise documental (fontes não orais) e construção de indicadores e núcleos de significação dos registros orais. A partir das análises compôs-se um panorama da história da Psicologia Educacional e Escolar brasileira. No escopo do trabalho, são descritos os passos da pesquisa historiográfica, os depoimentos e suas respectivas análises. Cada depoimento foi analisado em separado e, em conjunto, interrelacionando ao restante do corpus documental. Os resultados incluem discussões sobre as transformações no papel, objeto de interesse e de intervenção do psicólogo neste âmbito, as finalidades da Psicologia Educacional e Escolar e a relação entre teoria e prática. É então sugerida uma proposta de periodização da história da Psicologia Educacional e Escolar no Brasil, construída a partir de marcos históricos na área, compreendendo as etapas: 1)Colonização, saberes psicológicos e Educação (1500-1914); 2)A Psicologia em outros campos de conhecimento (1914-1930); 3) Desenvolvimentismo a Escola Nova e os psicologistas na Educação (1930-1962); 4)A Psicologia Educacional e a Psicologia do Escolar (1962-1981); 5)O período da crítica (1981-1990); 6)A Psicologia Educacional e Escolar e a reconstrução (1990-2000); 7)A virada do século: novos rumos? (2000- ). Pode-se afirmar que a Psicologia Educacional e Escolar se fez e se refez ao longo do tempo em diferentes momentos, a partir da sua relação com a Educação e com a conjuntura política, histórica e social. Sua história é marcada por continuidades, descontinuidades, rupturas, reconstruções e uma discussão permanente de seu papel como uma área a serviço de interesses conservadores ou emancipatórios.
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Esta tese relata o meu encontro com um grupo de idosos em um projeto denominado Conversas & Memórias, e a experiência comunitária ali produzida. O objetivo central foi analisar de que forma os dispositivos utilizados na intervenção ajudaram na construção dessa experiência. Partindo de um campo de problematização que coloca em questão as possibilidades de vivermos juntos, busquei responder às seguintes perguntas: de que forma a vida coletiva nos contagia e nos constitui? que apostas podemos arriscar que nos permitam afirmar a possibilidade de construirmos experiências comunitárias no mundo de hoje? quais práticas de cuidado de si e de cuidado do outro podemos encontrar (ou inventar) em nossa cultura? como essas práticas podem produzir, como efeito, experiências de vida comunitária? como podemos viver juntos? Foi em torno dessas questões que desenvolvi o trabalho em dois campos distintos, visando à construção, por um lado, de um solo teórico-conceitual, e, por outro, de um plano prático-experimental. Na primeira parte desta tese, apresento os conceitos e intercessores que fundamentam as ideias aqui defendidas. Começo discutindo o processo de subjetivação, em um diálogo com o pensamento de Gilles Deleuze, Gilbert Simondon e Baruch Espinosa, e termino apresentando as apostas de Gilles Deleuze e Felix Guattari, Antonio Negri e Michael Hardt, Maurice Blanchot, Giorgio Agamben e Jean-Luc Nancy em uma comunidade por vir. Em seguida, apresento minhas próprias apostas, fundamentadas no diálogo de Michel Foucault com a filosofia antiga sobre as práticas de si e a construção de um novo ethos, desenhado por uma estética da existência. Descrevo, em outro capítulo, o método da pesquisa, partindo de uma discussão sobre a cartografia e as possibilidades que ela ofereceu para que eu pudesse acompanhar processos e habitar o território da pesquisa; discuto, ainda, o conceito de dispositivo e os efeitos que são produzidos ao desembaraçarem-se suas linhas; por fim, descrevo o material que utilizei nas análises da experiência do projeto. Na segunda parte da tese, arrisco-me em um campo prático-experimental, dando movimento aos conceitos discutidos anteriormente e incorporando-os à discussão dos quatro dispositivos que examino aqui. No primeiro, a Roda de Conversação e os efeitos, como o exercício ético e político, que essa prática anuncia. No segundo dispositivo, os Agenciamentos, apresento as poesias, músicas, crônicas, passeios que foram utilizados como disparadores das conversas, analisando os diálogos e as virtualidades produzidos por eles. No dispositivo três, a Experiência Narrativa, descrevo o processo de publicação de um livro com as histórias de alguns participantes do projeto. No quarto dispositivo, a Imagem Revelada, descrevo os efeitos provocados pelas imagens publicadas em um livro de fotografias. O último capítulo retoma a pergunta inicial - como viver junto? -, e oferece algumas pistas sobre as possibilidades de construirmos uma outra forma de sociabilidade nos dias de hoje.
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A presente tese inicia-se por uma encruzilhada e um segredo: na encruzilhada está a psicologia, entre os apelos instrumentais, antropológicos e neurocientíficos; já o segredo refere-se à quase desconhecida leitura de Kierkegaard por Foucault. Os dois filósofos se inscrevem na esteira da experimentação filosófica, caminho oposto ao da metafísica. Experimentação, aqui, não diz respeito a qualquer empirismo; inspira-se nos exercícios espirituais da Antiguidade grega e romana, e nas práticas da ironia, do cuidado de si e da parresía filosófica. As aproximações possíveis entre o pensamento de Kierkegaard e o de Foucault por esse viés da filosofia antiga, visam a contribuir para uma compreensão da psicologia e de suas práticas que permita o enfrentamento dos dilemas acima referidos, ou seja, os instrumentais, antropológicos e neurocientíficos. O percurso do trabalho tem como ponto de partida as suspeitas direcionadas à psicologia, desde o questionamento colocado por Canguilhem há mais de cinqüenta anos acerca das intenções pouco claras da disciplina, passando pelas críticas aos processos de subjetivação psicologizantes, até chegar ao grave enquadramento contemporâneo que busca convencer os sujeitos de que são, em última análise, nada mais do que cérebros. Os processos de subjetivação engendrados pelas práticas psi se vêem, pois, colocados hoje frente a impasses de difícil solução. Tantas são as suspeitas e temores quanto aos efeitos psi, que os próprios profissionais da área têm, em muitos casos, assumido a posição de que a psicologia se tornou inviável e deve desaparecer. As referências objetivantes ou antropológicas, quando priorizadas pela psicologia, de fato não deixam saídas, tornando urgente o encontro com outros referenciais que possibilitem respirar novos ares. O pensamento de Kierkegaard e o de Foucault surgem como intercessores em face desse horizonte sombrio. Os dois filósofos se dedicaram a tornar o homem atento a si e ao mundo, priorizando saídas singulares e criativas em lugar da reprodução dos modos de ser hegemônicos que ameaçam igualar tudo e todos. Desnaturalizadores do presente e avessos às grandes especulações teóricas sobre a vida, escreveram obras que é preciso experienciar, mais do que simplesmente ler, a fim de captar-lhes a atmosfera e com elas operar. A partir dessa atitude, a psicologia experimental ou interpretativa pode dar lugar a uma psicologia experimentante, que acompanha o cotidiano ao invés de se colocar como uma curiosidade sem paixão. Tal psicologia segue de maneira interessada os movimentos da existência e a apropriação pessoal da verdade, que deixa de ser transcendente, metafísica ou sonhada, e aparece encarnada nas lutas, receios, enganos, ações e tensões do dia-a-dia dos sujeitos de carne, osso e espírito. É na tensão constituinte-constituído que o sujeito se forja, seja ele lançado por Deus, como pensa Kierkegaard, seja, como propõe Foucault, mergulhado nos esquemas e objetivações que toma como naturais: a tarefa do sujeito é tornar-se si mesmo, participando de forma mais livre da própria constituição, exercendo de maneira refletida e ética a liberdade e transparecendo a si mesmo, ao invés de tomar como suas as determinações que lhe são oferecidas. A presente tese visa, portanto, a estabelecer o diálogo entre Foucault e Kierkegaard, pelo viés da filosofia antiga, buscando inspiração para promover, no tempo presente, processos de subjetivação outros que os modos desesperados de ser, e práticas psicológicas mais experimentantes e menos disciplinadoras.
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Este estudo focaliza a prática de leitura de livros de auto-ajuda com o objetivo de analisar, numa perspectiva genealógica, seu surgimento, condições de produção e modos de funcionamento em sua implicação com um estilo liberal de existência. À luz da analítica foucaultiana, postula-se que a literatura de auto-ajuda, entendida como formação discursiva, está intrinsecamente ligada a racionalidades e tecnologias do poder voltadas para a afirmação de um indivíduo que se auto-empresaria como capital humano. Tomando em referência o conceito de governamentalidade, tem-se que tal literatura associa-se a microprocessos de governo de condutas atinentes a uma razão governamental que visa alcançar pelo mínimo governo a máxima eficácia. O trajeto investigativo deu-se em diferentes planos, intimamente interligados, que incluíram detalhada pesquisa de campo, leitura e análise de livros do gênero e entrevistas com leitores. O relato parte de uma discussão sobre a contínua e sistemática circulação de ensinamentos que, a um nível infinitesimal, se afirmam na atualidade como condutores de nossas condutas, para, em seguida, introduzir uma discussão sobre a concepção foucaultiana de prática central à análise e guia da reflexão que a partir de então se faz - com o intuito de desvelar, nas práticas de leitura de auto-ajuda, possíveis interconexões entre produção de verdades, técnicas de si e governo dos outros.
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A cultura ocidental concebeu a interioridade do ser humano de vários modos segundo o clima cultural e o período histórico. No período colonial, a oratória religiosa oferece uma rica matriz para o estudo de saberes psicológicos veiculados na época. A cultura do século XVII, rotulada como barroco é uma cultura de persuasão, sendo a pregação religiosa o meio de comunicação de massa privilegiado. O objetivo desta dissertação é geral realizar uma reconstrução histórica dos saberes psicológicos contidos nos sermões do jesuíta Antônio Vieira (1608-1697). Procuramos descrever e analisar os conceitos de imaginação e memória e outros conceitos a eles relacionados. Utilizamos como fonte primária a obra de sermões publicada pelo jesuíta em edição moderna. A partir de elementos teóricos retirados seja da História Cultura, seja da História da psicologia, buscamos identificar o contexto de produção e as apropriações feitas pelos sujeitos dos conceitos evidenciados. A leitura dos sermões foi feita a partir da hipótese da unidade teológico-retórico-política de sua matriz sacramental proposta por Alcir Pécora. Os sermões estão embebidos em uma matriz epistêmica de orientação aristotélico-tomista. Trata-se de uma psicologia filosófica que remonta ao mundo helênico, porém no século XVII é perpassada pelo humanismo e cristianismo. Nesta concepção há tanto uma visão de homem (uma antropologia filosófica cristã), como um modelo de funcionamento do que poderíamos chamar de psiquismo, identificado com o termo alma. Segundo o pressuposto da época, potências internas e externas, paixões, apetites, vontade, intelecto e espírito são os elementos que compõem a alma. Imaginação e memória tem influência preponderante nesta dinâmica e no processo persuasivo.
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O objetivo deste trabalho é investigar, tendo como base o texto Sonhos de um Visionário, a problemática do espírito dentro do pensamento inicial de Kant, destacando, nesse contexto, as primeiras indicações do criticismo. Enfocaremos a superação da metafísica inicial de Kant, em Sonhos, e a configuração de um novo horizonte para se pensar o problema do espírito e da metafísica em geral através de uma reflexão sobre a vontade humana. Serão apresentadas as evidências de uma mudança de direção no pensamento kantiano a partir da qual a moral será apontada como a base para a fundamentação da metafísica. A religião, por sua vez, apresentar-se-á como um importante elemento dentro desta nova elaboração.
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O objetivo desta tese consiste em avaliar, sob um prisma fenomenológico, as concepções presentes na obra de Santo Agostinho referentes ao uso da reflexão como instrumento do conhecimento de si. Para isso, analisamos as obras As confissões (397d.C.) A trindade (416 d.C.) e fragmentos de outras obras em que ele aborda o tema da reflexão. Consideramos dois diferentes níveis em que as ideias se encontram presentes nas obras: nas descrições de estados subjetivos narrados em primeira pessoa por Agostinho nas Confissões e nas exposições feitas por Agostinho em outras de suas obras. Investigamos alguns temas que se mostraram de grande importância para se compreender o papel da reflexão em Agostinho. Em primeiro lugar, o espírito humano entendido como uma realidade íntima, um ser reflexivo e imaterial. Em segundo lugar, analisamos o papel do método reflexivo em suas investigações acerca da memória, da percepção e das inter-relações entre o corpo e a mente. Em terceiro lugar procuramos observar como Agostinho compreende a vida do espírito em suas inter-relações com o mundo e com Deus. Na segunda parte da tese, os temas foram retomados e abordados sob um prisma fenomenológico. Para isso procuramos expor e avaliar, no que tange aos temas abordados por Agostinho, o percurso metodológico traçado por Husserl em Ideias 1 (1913) e Ideias 2 (1952). Na terceira parte da tese, fizemos uma análise comparativa entre as concepções e os métodos adotados pelos dois autores. Observamos que, embora haja diferenças no modo de aplicar a reflexão, muitas das conclusões tiradas por Husserl já haviam sido antecipadas por Agostinho, embora, neste, com um menor nível de rigor. Merecem destaque os seguintes pontos abordados primeiramente por Agostinho e posteriormente desenvolvidos por Husserl: 1) a mente é uma realidade íntima e indubitável; 2) a essência da mente é sua reflexividade, sua capacidade de apreender-se a si mesma; 3) a atenção ou intentio voluntatis é um fator constituinte do ato de percepção e de qualquer ato do cogito; 4) o tempo é abordado por Agostinho não como realidade independente do espírito, mas sim como uma realidade vinculada ao espírito, de modo que o passado, o presente e o futuro são articulados com a memória, a atenção e a expectativa. Em suma, o objetivo das análises e comparações é contribuir para uma visão mais rica e complexa da história do método reflexivo e, ao mesmo tempo, defender sua legitimidade e seu valor cognitivo. A reflexão é instrumento intelectual capaz de fornecer não só conhecimentos seguros sobre a estrutura apodíctica da consciência e dos diferentes estratos da pessoa humana, como também é válida para que cada indivíduo possa conhecer a si mesmo em sua singularidade. E essa individualização é marcada por fatores psíquicos, corpóreos e pelo mundo espiritual do sujeito, isto é, pelo mundo da vida.
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Os elos entre Direito e Psicologia são antigos, embora sua estruturação em moldes científicos tenha se dado apenas a partir do século XIX, na interface dos estudos dos saberes psicológicos com as doutrinas da lei criminal. Desse liame pontual, a conexão interdisciplinar se desenvolveu em vários outros ramos, sendo hoje vasto o campo de pesquisa. O presente trabalho visa abordar as relações entre os saberes psicológicos suscitados em material produzido na Faculdade de Direito de São Paulo no período crítico do nascimento da psicologia científica no Brasil e sua relação com os conceitos de Direito Natural vigentes à época. A escolha do Direito Natural, é em virtude deste ser mais adequado à análise psicológica, interessando ao estudo o embasamento filosófico/psicológico do Direito e não as leis em específico. O período estudado coincide com a Primeira República no Brasil. Neste momento há alterações significantes no contexto educacional, onde várias reformas promovem a transição do ensino clássico para uma matriz pragmático-científica; e no contexto dos saberes psicológicos, tendo em vista que a psicologia filosófica está em momento de transição de pensamentos da escola sensualista francesa, do empirismo e do ecletismo espiritualista para uma tradição positivista. No contexto jurídico se apresenta a Constituição de 1891, promulgada pela constituinte após breve governo de exceção dos militares, sendo este um período de instabilidade político-jurídica. Foram encontradas como objeto três teses. Duas são de José de Alcântara de Machado D'Oliveira, sendo estas "A embriaguez e a responsabilidade civil" e "Ensaio Médico-Legal sobre o hypnotismo" e a outra de Candido Motta, denominada "Classificação dos criminosos". Os métodos utilizados na análise dos dados foram a Historiografia da Psicologia Científica e a análise conceitual dos documentos através dométodo da História Cultural. Os dados atuais permitem dizer que há apropriação dos principais conceitos de filosofia positivista da época, inclusive a eugenia spenceriana/lombrosiana no caso de Candido Motta, cuja tese visa ser uma manual de consulta na classificação do criminoso. Jose D'Oliveira busca lançar nova luz sobre um problema recorrente da época e relevante ainda hoje - a embriaguez e a responsabilidade civil - e sobre o hipnotismo, com um viés igualmente científico-positivista. As concepções de Direito Natural se apresentam em momento de transição entre uma visão majoritariamente tomista, em que o Direito Natural está em conexão com o divino, para uma concepção antropológico-científica, onde este deriva da vivência dos povos. É possível discutir, com base nos dados coletados e analisados, que há consonância entre as concepções de Direito Natural e os saberes psicológicos utilizados pelos autores. Predomina a transição para modelos positivistas, visando incorporar as descobertas das ciências naturais. Os modelos baseados em concepções mais humanísticas, religiosas e filosóficas, segundo o positivismo de Comte, estariam no estado 'metafísico' da humanidade, sendo necessária adoção das teorias condizentes com o terceiro e último estado, o 'científico'. As concepções que eram predominantemente metafísicas começam a se estruturar como organicistas neste momento, antes de se configurarem como psicologizantes em momento posterior.
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Uma biografia científica é geralmente escrita com o objetivo de interpretar tanto o caráter mutante da prática científica quanto as características individuais dos cientistas. Pela identificação dos interesses pessoais de cientistas pode ocorrer uma mudança no modo como a ciência é entendida. O objetivo do presente trabalho é analisar o desenvolvimento da ciência e da psicologia no Brasil tendo a biografia científica de Carolina Bori como ponto de partida. Escrever sobre Carolina Martuscelli Bori é escrever sobre uma pesquisadora que teve um grande impacto sobre o desenvolvimento científico no Brasil. Pode-se dizer que mesmo depois de sua morte a memória de Carolina Bori influencia pesquisas, planejamento de cursos, debates sobre ciência, etc. Exemplos disso incluem os pelo menos 11 artigos sobre ela, escritos entre 2004 e 2012. Além disso, ela já havia sido homenageada com uma edição especial da revista Psicologia USP. Para atingir este objetivo, foi necessário reunir informações sobre ela disponíveis nesses materiais, em depoimentos de uma sobrinha dela, uma funcionária da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, e de 15 pesquisadores de diferentes áreas que trabalharam com ela. Utilizou-se, também, cartas pessoais que ela trocou com o psicólogo estadunidense Fred S. Keller (1899-1996), que se tornou um mestre e amigo pessoal, bem como nos artigos assinados por ela. Carolina Martuscelli nasceu em São Paulo em 4 de janeiro 1924 e era a filha mais velha de suafamília, entre outros quatro filhos. Seu pai era italiano e sua mãe era brasileira. Frequentou uma escola alemã desde os seis anos de idade e formou-se como professora. Como pedagoga, estudou motivação do ponto de vista Gestalt sob orientação de Tamara Dembo durante seu mestrado nos Estados Unidos, e com Annita Cabral durante seu doutorado, no Brasil. No início de 1950, Carolina se casou com um italiano, cujo nome de família ela assumiu e com quem teve um filho. Eles se divorciaram alguns anos após o nascimento de seu filho, mas ela manteve o nome de casada. Depois de um problema pessoal com a chefe da cadeira onde trabalhava, Carolina Bori foi afastada da universidade. Na ocasião, Bori foi convidada para coordenar o departamento de psicologia do curso de pedagogia em Rio Claro. Durante esse tempo, ela foi aluna de Fred S. Keller, e, juntos, escreveram os primeiros trabalhos em um campo que desenvolveram no Brasil e que alguns psicólogos ofereceram resistência. Em 1962, ela foi convidada para criar e coordenar o departamento de psicologia da Universidade de Brasília, na capital brasileira recém-fundada. O curso, com base na experimentação e técnicas comportamentais, começou em 1964, mas em 1965 o governo militar invadiu a universidade e o departamento foi extinto. Com isso, Bori voltou à USP e se tornou a principal pesquisadora no campo da Instrução Programada e PSI no país. Em 1969, ela se submeteu ao concurso de livre-docência, no entanto, devido a rivalidades políticas,seu certificado foi negado. Ela também orientou teses de mestrado e doutorado, dirigiu sociedades científicas que lutaram por melhores condições de ensino e pesquisa no país, contribuiu para o reconhecimento legal da Psicologia no Brasil e foi fundamental para a criação do sistema de ciência e tecnologia brasileira. A partir da biografia científica de Bori pode-se observar uma série de características da ciência e da psicologia no Brasil e como algumas preocupações pessoais e problemas podem levar ao desenvolvimento do campo.