A sua pesquisa

  • O artigo é resultado de uma pesquisa histórica realizada sobre a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, que funcionou em São Paulo de 1933 a 1967, e o Instituto Sedes Sapientiae, que iniciou suas atividades em 1967. Foram utilizados documentos arquivados na PUC/SP, entrevistas gravadas em áudio ou publicadas em jornais e revistas, entrevistas realizadas com professores e alunos que participaram em diferentes momentos dessas duas instituições. O foco da análise aqui apresentado é a abertura dada, em dois cursos de graduação - pedagogia e psicologia -, e em cursos de especialização oferecidos nessas duas áreas, para uma perspectiva corporal, o que facilitou sua inclusão no campo da psicologia.

  • Desde a década de 1990, em grande parte das sociedades urbanas industrializadas vem se constituindo um fenômeno em torno das imagens ultra-sonográficas fetais. A ultra-sonografia, aplicada à obstetrícia, uma tecnologia utilizada a princípio visando a detecção de anomalias fetais, gradualmente transformou-se em objeto de consumo e ‘lazer’. As imagens fetais passaram a ser utilizadas com os mais variados propósitos, desde o discurso anti-aborto até a propaganda de produtos diversos. A partir dos anos 1940, ocorreu um rearranjo na obstetrícia que resultou, grosso modo, na passagem de um modelo de intervenção médica para um modelo ‘humanizado’ de monitoramento, no qual o esquadrinhamento das minúcias tornou-se um ponto-chave, para o qual a invenção da ultra-sonografia obstétrica, no final dos anos 50, teve um papel articulador fundamental. A produção do prazer de ver o feto – cujas imagens cinzentas e indistintas se transformaram em objeto de desejo – é a pedra de toque que une o útil ao agradável. As grávidas passaram a buscar ativamente as imagens fetais, submetendo-se prazerosamente às ultra-sonografias, no decorrer das quais os profissionais produzem narrativas visuais e discursivas. É construída uma subjetivação envolvendo as imagens, a gestante e o feto, ao mesmo tempo em que é produzida uma estetização das imagens, uma exteriorização do feto e uma mescla da imagem com o feto propriamente dito. No processo há como que um ocultamento das condições de produção destas imagens, o que reforça a noção de ‘independência’ do feto em relação à gestante. Esta situação, por seu turno, encontra-se inscrita em um outro processo mais amplo, no qual, em especial ao longo do século XX, a visualidade tornou-se culturalmente sobreposta aos outros sentidos. Nesse contexto a imagem técnica detém o status de produtora de verdades incontestáveis – médicas e não-médicas – e as imagens fetais estáticas, assim como os vídeos domésticos com imagens fetais gravadas adquirem um caráter similar ao do entretenimento proporcionado por ver fotos de viagem ou assistir a documentários, aliando o lazer ao – suposto – conhecimento do feto. Pode-se pensar neste conjunto articulado de processos como parte de um panopticismo que devassa corpos femininos e fetais, ao mesmo tempo normatizando-os e construindo novos sujeitos calcados em corporalidades virtuais.

  • Tomamos como base de análise material referente às pesquisas realizadas pelo PIVETES (Programa de Intervenção Voltado às Engrenagens e Territórios de Exclusão Social) no sentido de apontar algumas práticas presentes no judiciário. A partir de entrevistas realizadas com psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro identificamos, dentre as práticas que ali se instrumentalizam, as que poderiam estar fugindo aos modelos hegemônicos instituídos nesse encontro entre psicologia e judiciário. Seguimos os princípios da pesquisa-intervenção, que coloca em questão a neutralidade e objetividade do pesquisador, enfatizando a análise de suas implicações, investindo nas restituições possíveis e na participação dos coletivos em todas as instâncias da pesquisa. Nossas análises estão marcadas também por um enfoque histórico-genealógico trazido por Foucault que entende a história enquanto processualidade e campo de problematizações de práticas-discursos tidos e reproduzidos como naturais. Para pensar as práticas psi presentes no judiciário recorremos a Deleuze com suas linhas segmentarias, duras, flexíveis e linhas de fuga que se entrecruzam, se constituem juntas e se atravessam. Percebemos que, ao lado da construção de modelos duros de atuação, o trabalho de muitos psicólogos no judiciário tem sido também um instrumento para (re)colocar os sujeitos ali presentes – técnicos e usuários – como atores de suas histórias, na medida em que vão tomando parte ativa nas mesmas. Nas entrevistas realizadas, sobressaem falas que apontam os esforços desenvolvidos no sentido de criar espaços coletivos de discussão entre os técnicos, as diferentes equipes e instâncias do judiciário e outros estabelecimentos parceiros, como os Conselhos Tutelares. Entendemos ser fundamental dar visibilidade a tais práticas que, em seu cotidiano, vêm recusando saberes absolutos, totalizantes e percebidos como universais, e produzindo espaços de invenção e outras possibilidades de atuação.

  • É inquietante o número crescente de diagnósticos infantis, principalmente o que chamamos de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Podemos dizer que este diagnóstico tem se alastrado de forma generalizada e implica, entre outras coisas, a medicalização das crianças que são nomeadas por ele. Este artigo traz alguns aspectos para a reflexão em torno do fenômeno contemporâneo da medicalização e seus desdobramentos na infância. Procura ressaltar como a produção de diagnósticos está atrelada ao uso de novas tecnologias do corpo e tem atravessado o espaço escolar, sem que seus profissionais tenham tempo e ferramentas teóricas adequadas para a sua abordagem e compreensão. A prática da medicalização infantil faz parte de um discurso biológico presente nas ciências da saúde e consolidado pelo saber médico, discurso esse que tem atravessado a instituição escolar, o nosso dia-a-dia, a forma como nos relacionamos e aprendemos, ou seja, construindo novos paradigmas subjetivos. Deparamo-nos aqui com uma pergunta: por que medicalizar se tornou mais uma urgência contemporânea?

  • O trabalho aborda, inicialmente, o crescimento da vida urbana, no ocidente, ao longo do século XX, tecendo considerações sobre a importância da localidade, mesmo frente a um mundo atravessado pela globalização. As autoras aderem à concepção de Henri Lefebvre de que o espaço se configura como um dos elementos instigantes das interações da sociedade, observando que, nas cidades, as misturas culturais e sociais se fazem obrigatórias, possibilitando diferentes formas de subjetivação. Num segundo momento, utilizando autores de diversas áreas, como Félix Guattari, Kevin Lynch, Jane Jacobs e Richard Sennett , é avaliado o alcance dos espaços construídos, definindo-os como “máquinas” (no sentido de Guattari) que interpelam seus habitantes e produzem uma subjetivação que, interagindo com outros agentes, constitui o homem urbano contemporâneo. A partir de exemplos obtidos nos estudos de Lynch, Jacobs e Sennett sobre grandes cidades americanas, é destacada a importância das ruas como local privilegiado da sociabilidade, assinalando-se, contudo, situações onde determinadas opções arquitetônicas e urbanísticas acabaram por se constituir como entraves ao contato entre indivíduos, funcionando, portanto, como um dos fatores propulsores de “esvaziamento” do espaço público. Por fim, o trabalho discorre sobre algumas hipóteses explicativas para a produção deste esvaziamento e possíveis conseqüências sobre a subjetividade do homem contemporâneo, apoiando-se em autores como Sennett, Claudine Haroche e Carlos Vainer, este resgatando pressupostos estabelecidos por sociólogos da Escola de Chicago. Sem negar a tendência ao recrudescimento da valorização da intimidade e da vida privada, a dificuldade de convivência com a alteridade e uma certa indiferença que permeia as relações urbanas, as autoras apontam para algumas linhas de fuga desses padrões hegemônicos de funcionamento subjetivo, que, se intensificadas, podem provocar movimentos mais efetivos em direção à construção de uma revitalização do público.

  • O tema abordado neste trabalho surgiu da experiência profissional no NEPAD/UERJ. Inúmeros questionamentos e inquietações acerca do papel das drogas em nossa sociedade foram suscitados, em especial um dado estatístico da instituição: o aumento de 100%, ao longo de dez anos, da proporção de pacientes usuárias de drogas do sexo feminino em atendimento na instituição. Em 1994, a porcentagem era de 11% do total de atendidos; já em 2004, a mesma é de 22%. Assim, o objetivo desse trabalho é estudar o uso de drogas legais/ilegais em nossa sociedade, focalizando principalmente seu uso pelas mulheres. Ao problematizar esta questão – mulheres e drogas –, algumas perguntas se fizeram presentes: que aspectos sociais estariam influenciando o uso de drogas pelo público feminino?; que transformações sociais do papel da mulher poderiam ser associadas a essa evidência estatística obtida no NEPAD? Ao tentar compreendê-los, tornou-se necessário pensar a “reconstrução” da(s) história(s) das mulheres na civilização ocidental, com o objetivo de abordar as mudanças sociais sofridas, desejadas e conquistadas pelo público feminino ao longo dos últimos séculos, e as transformações acerca do papel social da mulher em nossos dias. Buscamos relacionar a pesquisa teórica com as doze entrevistas realizadas como um dos eixos metodológicos da pesquisa. Podemos considerar que além de um provável aumento no número de mulheres fazendo uso de drogas lícitas e ilícitas (como nos apontam os dados do NEPAD), elas têm encontrado facilitadores para buscar ajuda, aumentado, dessa forma, o número de mulheres nos atendimentos especializados.

  • O texto da história da psicologia é um intertexto e o método de pesquisa dessa disciplina dirige-se para a elucidação desse intertexto. O historiador da psicologia trata com textos de psicólogos, filósofos e historiadores das culturas e das idéias. Começa investigando um texto de um psicólogo e aprofunda e amplia seu exame com o estudo de textos filosóficos e históricos que freqüentemente permanecem silenciosos no texto do psicólogo. Seguindo esse método, narra as reconstruções racionais (as analogias conceituais entre o texto do psicólogo e o pré-texto filosófico) e as revoluções psicológicas (ao inserir as reconstruções racionais nos seus contextos cultural e intelectual) que constituem o memorial da psicologia. Os casos Wilhelm Wundt por Kurt Danziger, e Edward C. Tolman por Laurence Smith são apresentados para ilustrar concretamente nossa caracterização da história da psicologia; e, também, para mostrar como escorregos e omissões intertextuais conduzem a equívocos e simplificações surpreendentes, que não poupam os melhores historiadores.

  • Em 1962 a Psicologia foi regulamentada como profissão pela Lei 4119, porém só em 1971 deferiu-se a Lei 5766 que criou os Conselhos Regionais e Federal de Psicologia (sendo que os regionais só foram instalados em 1974). Em 20/08/1973 o Ministro do Trabalho deu a carta sindical à Associação Profissional dos Psicólogos de São Paulo para transformar-se em Sindicato dos Psicólogos. Portanto, compreendemos que há longa história subjacente à constituição da Psicologia como profissão regulamentada no país, porém na pesquisa bibliográfica realizada, encontramos pouco registro que se refere à construção da Psicologia a partir de suas entidades. Dessa forma, visamos fazer uma reflexão sobre as práticas das entidades de classe da Psicologia de São Paulo durante o período da ditadura militar à redemocratização do país (1969-1986) por meio de pesquisa documental e depoimentos de ex-participantes. Constatamos diferenças nas práticas das entidades no período da ditadura militar (anos 60/70) e o da abertura política (a partir de 1979), quando grupos da esquerda assumiram as entidades. Notamos que as práticas eram reflexos da conjuntura política do país mediada pela concepção da função social da Psicologia onde, nos anos 70, as entidades defendiam a Psicologia como fim, enquanto profissão e, a partir dos anos 80, com a redemocratização do país, começou a se problematizar a função política da Psicologia na sociedade brasileira. Observamos que a entrada da esquerda nas entidades acompanhou o mesmo movimento de transição das sociedades disciplinares para as sociedades de controle.

  • A trajetória da Revista Psicologia: Ciência e Profissão, do Conselho Federal de Psicologia, é analisada, no contexto das comemorações de seus 25 anos, evidenciando o processo de transformação que a levou a ser avaliada como periódico de nível A pela CAPES, em 2000, acompanhando as transformações teóricas e práticas da Psicologia no Brasil, atingindo, assim, a excelência em seu campo de atuação. Seu percurso é analisado a partir de dados das seguintes partes da revista: capa, contra-capa, editorial, ficha técnica, sumário, seções e temas dos artigos, utilizando como fontes todos os números publicados entre 1979 e 2004 (56 exemplares). Psicologia: Ciência e Profissão revela-nos os psicólogos como profissionais que escutam a sociedade onde vivem, produtores de práticas que têm, cada vez mais, referência nesta sociedade. Nesses 25 anos, a revista registrou a produção de uma nova identidade para a Psicologia brasileira, construída a partir tanto do diálogo com os diversos campos de atuação quanto da produção de outros olhares sobre esses diversos campos, mostrando como a profissão se deslocou de uma posição mais elitista para uma outra comprometida com a ampliação dos espaços de atuação do psicólogo junto a camadas desprivilegiadas da população brasileira, conhecida como de um maior compromisso social.

  • As origens do método de Rorschach e seus respectivos fundamentos são temas deste trabalho, desenvolvido a partir de uma retomada fenomenológica da história pessoal e profissional de seu próprio inventor, passando pela descrição e análise das principais influências e bases teóricas do referido método e, finalmente, culminando com uma apreciação acerca da subjacente concepção de personalidade, mais propriamente dada pelos conceitos de tipo de vivência e função do real, em suas acepções originais.

  • A análise do surgimento do Hospital Henrique Roxo, no interior do norte fluminense, em 1942, se constitui no objetivo fundamental deste estudo, que resulta de uma investigação de campo realizada em cumprimento às demandas de pesquisa em psicologia da Universidade Estácio de Sá, situada em Campos, justamente o local onde o referido sanatório se tornou uma referência no contexto da saúde mental.

  • O artigo apresenta uma análise dos laudos psicológicos constantes de ações judiciais das Varas de Família da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, no intuito de identificar tendências do pensamento psicológico que contribuem para a constituição dos direitos da infância. São enfatizados temas relativos à participação dos psicólogos na definição dos direitos da infância no Judiciário.

  • Este trabalho constitui um ensaio provisório e exploratório, e uma primeira tentativa de sistematização panorâmica de leituras e questões de um programa mais longo de estudo, acerca da formação histórica e cultural das teorias da subjetividade, e que inclui as formulações freudianas e junguianas do inconsciente, as tradições marxiana e marxista, e os movimentos teóricos posteriores de esquerda. O estudo se inicia pela caracterização histórica e cultural das principais vertentes do movimento romântico nos séculos XVIII e XIX, indicando os antecedentes das formulações de inconsciente que desaguariam mais tarde em Freud e Jung, bem como as vertentes formadoras do pensamento marxiano. Em seguida, descreve as contribuições marxianas à abordagem da subjetividade, bem como seus limites e dificuldades. Finalmente, aponta como estas questões se desdobraram nos debates posteriores, nos principais desenvolvimentos históricos e teóricos de esquerda que abordaram a subjetividades no século XX.

  • Murilo Rubião é sem dúvida um dos nomes mais representativos do gênero fantástico da literatura brasileira. Talvez a pouca extensão de seu trabalho como contista tenha colaborado para torná-lo pouco conhecido do grande público, talvez a crítica severa que em muitas e nem sempre veladas ocasiões o acusou de plágio de Kafka o tenham assim tornado. Assim como Kafka, Rubião retratou a realidade do cotidiano de uma forma fantástica, quase-mágica, muito embora realista. Realidade e fantasia unem-se na obra de ambos os autores, fundem-se, ora por eles tornarem o impossível verossímil, ora por tornarem o hodierno inacreditável, inaceitável apesar de verdadeiro. Interessa-nos aqui realçar a abordagem fantástica que Murilo Rubião faz das cidades, de seu cotidiano e seu modo de funcionamento, e é aí que sua proximidade de Kafka se torna valiosa, pois se Rubião é pouco conhecido, Kafka não o é, o que torna mais fácil ao leitor compreender o universo de Rubião. A dinâmica das cidades e os absurdos com os quais se confrontam os protagonistas dos cinco contos aqui selecionados para proceder à análise − A Cidade, O Edifício, A Fila, Os Dragões e Botão-de-Rosa − são extremamente semelhantes àqueles encontrados por Josef K. em O Processo, ou ainda pelo agrimensor K. de O Castelo. O que procuraremos abordar é tanto a verossimilhança dos eventos fantásticos narrados por Rubião quanto o aspecto mágico de eventos absurdos, porém hodiernos. O objetivo deste trabalho é indicar onde o realismo mágico de Murilo Rubião desvela aquilo que muitas vezes se esconde ao estudioso das cidades, seja ele o urbanista, o psicólogo, o historiador, o arqueólogo: o cotidiano. O cotidiano e suas contradições, em especial a contradição inerente aos projetos ou ideias de cidades e as cidades enquanto tais, onde as pessoas não só habitam, transitam, ou visitam, mas, antes de tudo, vivem.

  • O corpo, na tradição metafísica ocidental, foi considerado um objeto. Platão é um autor relevante, nessa tradição, que sustenta a dicotomia corpo-alma, como duas naturezas totalmente heterogêneas. A alma é o propriamente humano, já o corpo é um vasilhame descartável, uma prisão que limita a essência do homem: um objeto que nos encadeia e nos cerceia. Partindo desta tradição, o corpo foi enunciado, codificado, interpretado e dominado nas relações sociais que tentaram regimentar e controlar essa corporalidade. Inúmeras conceituações objetivantes e dicotômicas sobre o corpo construíram uma memória e uma identidade corporais que o reduziram a uma coisa ou a uma mercadoria apropriável. Contudo, há outras formas de ver o corpo. Na leitura nietzschiana, por exemplo, o corpo é celebrado como uma multidão de impulsos criativos em jogo, como a dinâmica do devir que exprime as potências instintivas do homem; na linguagem mítica arcaica, através do corpo falam Dioniso e todas as forças salutares da terra, da vida.

  • A partir de breve exposição sobre três concepções de corpo que se constituíram ao longo do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, discutem-se algumas idéias propostas por Bruno Latour, para quem o corpo não é definido como substância − o que o coloca no território da natureza − nem, tampouco, como uma construção discursiva − o que o desloca para o campo da cultura. O corpo é tomado em suas relações com outros elementos do mundo, como algo, simultaneamente, real, fabricado e fabricante do mundo. Assumir essa perspectiva requer a instauração de uma nova dimensão normativa para a ciência cujas implicações podem contribuir para pensarmos a história da Psicologia que estamos inventando.

  • Muito se questiona o papel do psicólogo, seus discursos e práticas enquanto agenciamento de controle e/ou assujeitamento. Pretendemos fazer uma cartografia do(a) processo/construção deste agente do poder-saber, o psicólogo, e – na medida/apesar das limitações/possibilidades dos autores – do psicólogo formado pela UERJ. O modelo disciplinar, homogêneo-hegemônico nas faculdades, as relações professor-aluno-universidade, o currículo, a pesquisa e extensão inscrevem-se como produtores de um certo psicólogo, formado para atender a um certo mercado. Será possível formar sem formatar? As linhas-de-fuga não estão fadadas a serem capturadas e submetidas à lógica consumista-tarefeira? Será possível formar um profissional catalisador/produtor de diferenças através da lógica e da temporalidade capitalistas? A formação psi (qualquer formação), os saberes precisam obedecer à lógica cartesiano-mercantilista – que se apresenta como natural e necessária – e aceitar relações mercantis de aula, pesquisa, pós-graduação? O que estamos fazendo de nós? “Como se chega a ser o que se é?”: queremos pensar o estudante, o curso, o profissional que (se) forma (n)esta máquina psico-lógica. Quais as implicações éticas-estéticas-políticas da formação em psicologia na sociedade que a cerca/atravessa/constitui? Não pretendemos responder; mas provocar questões mais potencializadoras, que possibilitem pensar-sentir-agir para aquém/além da lógica vigente. Talvez as questões não sejam “o que estudar?”, “como atuar?”; mas “que relações de poder e regimes de verdade tomam corpo na formação/produção do psicólogo?”. Não queremos soluções globalizantes/revolucionárias. Queremos sair do nosso lugar seguro e arriscar desterritorializações/experimentações. Relações de poder, produção de subjetividades não são conceitos/processos que existem/ocorrem (somente) fora da universidade. A academia possui um cotidiano, onde os saberes se constituem, onde pensamos-sentimos-agimos, emergimos e submergimos, inserimo-nos, construímos a história – constituímo-nos enquanto sujeitos da/à história. Nossa análise focaliza as potencialidades/limitações da produção de psicólogos. Cartografar a produção/construção do psicólogo enquanto agente do poder-saber é cartografar o cotidiano acadêmico.

  • Este trabalho pretende, sob a forma de experimentação ou ensaio, estabelecer analogias entre possíveis caminhos da psicologia e descrições de anjos. Dessa forma, partindo das imagens do anjo católico, modelo de perfeição que tem como função iluminar o caminho dos mortais, e dos anjos do filme “Asas do Desejo”, do cineasta alemão Win Wenders, que, longe da perfeição, podem ser atingidos por sentimentos como tédio e inveja, vivem sobre o céu cinzento de Berlim e não possuem o poder de intervir na vida de nenhum mortal, busca-se discutir os possíveis enrijecimentos e potencialidades das teorias e práticas da psicologia. Toma-se como intercessor conceitual o anjo de Paul Klee, que Walter Benjamim chamou de “anjo da História”. Este, ao reger as narrativas humanas, não é doce nem roliço como o anjo católico, nem pretende iluminar o “melhor caminho”; pelo contrário, é anguloso e deformado, devastado por todas as paixões e acontecimentos. Tampouco pode, como o anjo de Wenders, ser compassivo, ou mesmo entediado; ele se reveste de horror pelas ruínas que se amontoam à sua volta, e somente isso tem a oferecer. Qual desses anjos permeará nossas práticas? No que tange aos dados referentes aos católicos, utilizamos aqueles coletados através do projeto de pesquisa “A Constituição da Psicologia no Brasil: Católicos e Médicos”, cujo objetivo é apreender as inter-relações do catolicismo e do pensamento médico na formação e autonomização da Psicologia no Brasil.

Última atualização da base de dados: 02/09/2025 00:00 (UTC)

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